A Espanha romana

A cultura romana permaneceu na península Ibérica por mais de setecentos anos e configurou a cultura e a forma de ver o mundo.

Setecentos anos são muitos anos e no entanto, setecentos foram os anos que durou a presença da civilização romana na Espanha. Ou, é importante ressaltar, na Hispânia, um nome que para os romanos não continha conotações políticas nem administrativas, apenas geográficas: Hispania era o nome que recebia a Península Ibérica.


“Hispania” era o nome dado pelos fenícios à Península Ibérica -posteriormente utilizado pelos romanos- e parte da nomenclatura oficial das três províncias romanas: Hispania Ulterior Baetica, Hispania Citerior Tarraconensis e Hispania Ulterior Lusitania.

Os romanos iniciaram a conquista da Península no século III AEC, no contexto da Segunda Guerra Púnica, e tinha como objetivo cortar as linhas cartaginesas que sustentavam a invasão da península Itálica.

Em pouco mais de dez anos, Roma expulsava a Cartago da Hispania, mas o domínio de toda a península seria um longo processo que duraria duzentos anos.

Durante todo esse período sucederam- se episódios militares que fazem parte de lendas. O líder dos Lusitanos, Viriato, é o protagonista duma das mais conhecidas: A resistência contra os romanos por parte dos galaicos ( antigos habitantes da Galícia) do monte Medúlio –que alguns estudiosos situam no lugar das Médulas (León) enquanto outros situam na Serra do Courel (Lugo)–, a lenda conta que os últimos guerreiros preferiram suicidar-se a entregar as armas aos conquistadores, não goza de muita popularidade mas bem merecia ser objeto de um argumento cinematográfico.

No entanto, a verdadeira conquista aconteceu de uma forma muito mais imperceptível. O que hoje chamamos de romanização é um processo demorado através do qual as línguas, os sistemas de escrita e os costumes dos povos nativos foram praticamente extintos em favor das formas da cultura de Roma.

A única exceção de uma língua pré-romana sobrevivente é o euskera: os romanos difundiam a sua cultura de forma paralela aos seus interesses comerciais e,a s montanhas onde os bascos habitavam ocupavam uma importância secundária para a metrópole.

Por outro lado, na Gallaecia e na Lusitânia, onde os romanos encontraram uma valorosa resistência até a época de Júlio César, a romanização seguiu um curso mais indolente: são testemunhas lugares como a citânia do monte Santa Tegra, onde conviveram durante muito tempo os costumes dos antigos galaicos com os novos usos dos romanos.

Restos da citânia no Monte Tegra, na desembocadura do rio Minho (A Guarda-Pontevedra).

Roma na Galícia

Na Galícia -Gallaecia-, assim como no resto da Península Ibérica, existem inúmeros vestígios da presença do Império Romano.

É destacável a Torre de Hercules (A Corunha), considerado o farol em funcionamento mais antigo do mundo; a Muralha de Lugo, a única muralha romana no mundo que conserva todo o seu perímetro; ou a já nomeada Citânia do Trega, por onde passa uma interessante variante do Caminho de Santiago Português -pela costa-.

Mas, além de lugares famosos, na Galicia abundam outros menos conhecidos e igualmente impressionantes, como podem ser os restos do monumento em Santa Eulalia de Bóveda (Lugo), um espetacular sepulcro monumental – segundo últimas investigações- que os amantes da história adorarão conhecer.

Ou os restos do Acampamento Romano Aquis Querquennis em Bande (Ourense), localizado perto da vía romana que unia as cidades de Astorga (León) e Braga (Portugal)

Assim como inúmeras Termas, Citânias, Pontes e Vias disseminadas por todo o território.

Descubrir a Hispânia romana

O modo de vida romano estendeu-se inevitavelmente e os acampamentos militares que acolhiam as legiões foram sendo substituídos pelas primeiras cidades romanas. Tarraco (Tarragona), Emérita Augusta (Mérida), Itálica (cerca de Sevilha), Bracara Augusta (Braga), Lucus Augusti (Lugo) … foram os polos a partir dos quais a cultura dos conquistadores começou a extender-se. Roma, ainda, impulsionou o processo distribuindo terras entre os soldados deslocados para a península e permitindo a fixação de famílias que vinham em busca de terras férteis.

A geografia espanhola é abundante em pontos que lembram a importância da civilização romana na configuração da nossa cultura. Sua civilização ficou conhecida como a primeira a se esforçar nas obras civis que asseguravam o progresso e a dominação do seu império e, neste sentido, tiveram uma enorme importância as infraestruturas viárias.

Os romanos planificaram uma inteligente rede de estradas que comunicavam todos os pontos de produção econômica e de importância administrativa e que cobria todo o território.

Quem viajar pela península em busca dos restos da cultura romana poderá avaliar o cuidado com que se projetaram estas vias pelo fato de que uma grande parte dos seus traçados foram aproveitados para a construção das estradas e autoestradas atuais.

A construção de pontes teve uma importância essencial na criação da rede viária e, também desta vez, são muitas as que sobrevivem e continuam cumprindo sua função nos nossos dias: a de Alcântara continua sendo um paradigma, ainda que são inúmeras as que permanecem espalhadas por todo o território. O viajante tem que estar ciente de que está seguindo os passos que desenharam os engenheiros romanos e que, portanto, está assimilando o país com os olhos daqueles conquistadores.

Uma das paradas obrigatórias para quem procura os vestígios de Roma é Segovia. Diante da vista do aqueduto, admirará a perícia da engenharia romana, a envergadura da arquitetura civil e a qualidade de alguns monumentos que estão em pé dois mil anos após a sua construção.

A vista da, anteriormente citada, Muralha de Lugo –mais de dois quilômetros de defesa que pode ser acessada por dez portas diferentes– da uma ideia da solidez da sua engenharia militar, mas também nos lembrará a corajosa resistência que, em muitas ocasiões, apresentaram os povos conquistados.

Muralha Romana de Lugo

As termas são testemunhas de novos hábitos privados e higiênicos. As de Alange (Extremadura) e Lugo são lugares que deve ser visitado por quem quer entender e conhecer o grau de refinamento que chegou a civilização latina.

Os romanos também deixaram sua marca na cultura e nos costumes. Embora o teatro tenha sido uma invenção grega, correspondeu aos romanos difundi-lo como meio de expressão artística e social ao longo de suas fronteiras. Dentro da península ainda se podem visitar os teatros de Mérida, Itálica, Sagunto, Clunia e Zaragoza. Alguns ainda continuam sendo utilizados para os fins que foram concebidos e acolhem representações teatrais, e renomados festivais de verão.

Teatro romano de Mérida (Badajoz)

Entretanto, não se deve perder de vista que uma das maiores contribuições dos romanos para a nossa cultura continua sendo a língua: o galego, o espanhol, o português e o catalão são filhas do latim e são o instrumento que melhor permite conhecermos a nós próprios.

É imprescindível, portanto, lembrar que Roma continua fazendo parte de nossa identidade.